As Grandes Emigrações Europeias para as Américas
Atualizado: 20 de set. de 2022
Por Méri Frotscher Kramer (Professora - Unioeste)
Se hoje a Europa é um continente de imigração e refúgio para muitas pessoas da África, América e Ásia, no século XIX milhões de emigrantes deixaram os portos europeus à procura de melhores condições para viver.
De 1815 a 1920, cerca de 60 milhões de europeus emigraram, 71% para a América do Norte, 21% para a América Latina e 7% para a Austrália. Os que emigraram até 1880 eram sobretudo do Norte da Europa (irlandeses e alemães). Os que emigraram depois, entre 1880 e 1915, eram principalmente do Leste e do Sul da Europa, onde a pressão demográfica chegou mais tarde. Mais uma vez nessa onda os EUA receberam a maior parte desses emigrantes.[1]
A revolução industrial e mudanças na estrutura agrária causaram profundas transformações sociais e econômicas em diversas regiões na Europa, fazendo emergir a chamada “questão social”. O aumento populacional pressionou o setor agrícola e a mudança dos métodos de arrendamento, cultivo e produção acabou levando muitos camponeses e artesãos a emigrar.
As grandes emigrações foram possíveis a partir do reconhecimento da liberdade, sob influência dos valores liberais da revolução francesa. Eles inspiraram o princípio “ubi bene – ibi pátria” (onde se vive bem, aí está a pátria). A ideia de “Fazer a América”, lugar da liberdade e da fartura, onde a terra era abundante, se difunde.
A partir de 1880, com a substituição total da vela pelo vapor nos navios e o espraiamento das ligações ferroviárias, a emigração torna-se um fenômeno em massa, um negócio muito rentável para os interesses comerciais de agentes, recrutadores e armadores.
A litogravura alemã acima, aborda criticamente o que chama de “exportação” de pessoas: enquanto pelo portão à esquerda entram mercadorias, “exporta-se” pessoas pelo portão à direita.
Nem sempre razões econômicas eram as mais fortes, já que pessoas de mais posses e profissionais liberais também emigraram. É o caso de muitos liberais da “geração de 1848” e de socialistas e anarquistas, os quais chegaram a fundar comunidades nas Américas.
Mas como os próprios sujeitos vivenciaram e narraram suas experiências migratórias? O que podemos aprender com suas escritas de si?
Vejamos o diário de um jovem da Prússia que embarcou no porto de Hamburgo em 1862:
“Aos 8 de setembro de 1862 deixei a minha pátria a fim de partir para o Chile, na América do Sul. Tentei facilitar a despedida dos meus queridos pais, não perdendo de vista o meu objetivo e, além disso, depositando minha esperança no reencontro, se assim for o desejo de Deus”. [2]
Pela leitura do diário logo se descobre que ele acaba embarcando rumo ao porto de Rio Grande, no sul do Brasil. No diário, a emigração é vista como possibilidade de exercício da liberdade. Ele se coloca como precursor do projeto emigratório familiar, já que pais e irmãs se juntam a ele depois de receber cartas suas.
Como toda fonte, diários e cartas precisam ser contextualizados e interpretados com cuidado. A depender dos destinatários e dos interesses do remetente, as cartas podiam conter autocensuras e exageros, como rememora um padre sobre cartas enviadas da colônia Blumenau à Alemanha:
“As cartas traziam imagens extremamente exageradas. Elas eram deixadas em cima da mesa familiar ou eram trazidas ao pároco, que as lia minuciosamente e do púlpito da igreja transmitia as lembranças e cumprimentos enviados”.[3]
Jornais locais na Europa publicavam cartas de emigrantes tanto para defender a emigração, como para denunciar as questões sociais que a engendravam, a depender de seu posicionamento político. O jornal liberal Allg. Ausw. Zeitung da Turíngia, Alemanha, por exemplo, publicava cartas positivas como incentivo à emigração para as fazendas de café do Brasil. [4]
Ao contrário, cartas podiam ser apreendidas nos correios para se impedir a emigração. É o caso de cartas de poloneses emigrados para os EUA e Brasil em 1890 e 1891 confiscadas pelas autoridades czaristas. Essa interferência impediu muitos de irem ao encontro de seus amigos e familiares.[5]
Mas muitos imigrantes eram analfabetos. Isso não impedia de pedirem para outras pessoas escreverem cartas em seu nome. Elas revelam os diferentes níveis de instrução entre eles.
Cartas podiam ser as únicas pontes que ainda ligavam os familiares separados pelo Atlântico. Numa carta escrita em 1855 da colônia Dona Francisca, Santa Catarina, Ida assim expressa afetos e saudades:
“Sim, minha querida mãe, eu acredito que vocês também se alegram quando recebem cartas nossas; mas maior que a nossa não pode ser a vossa saudade e alegria. Vocês continuam a viver nas velhas circunstâncias, nada que é estranho vos cerca; também todos vocês ainda tem parentes e amigos, só uma pequena fresta se abriu com a nossa partida. Não assim é conosco, nós somos os que emigraram, e mesmo que estejamos aqui, entre conterrâneos, eles são estranhos [...] procuramos sempre no passado o que o presente não nos pode dar”.[6]
Como se vê, diários e cartas de migrantes oferecem mais que informações objetivas, nos dão acesso aos sentimentos, avaliações, expectativas, frustrações, crenças e, por isso, ajudam a apreender dimensões subjetivas da migração.
[1] KLEIN, Herbert. Migração internacional na história das Américas. In: FAUSTO, Bóris (Org.) Fazer a América. São Paulo: Edusp, 2000, p. 21-25. [2] Diário de Paul Schwarzer, 1862-1864. Acervo do Arquivo Histórico de Blumenau. [3] Padre Stanislau Schaette, Blumenau. [4] Jornal especializado no tema da emigração - Rudolstadt, Alemanha. https://zs.thulb.uni-jena.de/servlets/MCRFileNodeServlet/jportal_derivate_00034336/AWZ_5_1851_Nr129.pdf [5] KULA, M. Carta dos imigrantes do Brasil. In Anais da Comunidade Brasileiro-Polonesa. 8, p. 9-16, 1977. [6] Carta de Ida Dörffel à sogra Christiane Dörffel. Dona Franziska, 16.11.1855. p. 152. Sobre isso vide também o livro de Marcin Markovski. https://europeandesign.org/submissions/we-are-all-migrants-letters-of-polish-immigrants-from-america-in-the-late-19th-century/
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