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Revolta dos Muckers

Atualizado: 23 de set. de 2022

Por Deise Joana Tome da Silveira; Fabio A. G. Kochen; Felix Venicius Sostisso Eichelberger; Jakeline Foster; Thaís Camila do Nascimento e Thaís Tomé (graduandos em História - Unioeste)


Em 1822, o Major George Anton Von Schaffer saiu do Brasil rumo a Europa com a missão de recrutar emigrantes para ocupar as terras brasileiras. Inicialmente ele se dirigiu a Hamburgo e dali partiu para outros territórios alemães como Hanôver, Pomerânia entre outros. Os primeiros emigrantes chegaram aos portos do Rio de Janeiro em março de 1824. Para fazer com que as pessoas se interessassem em migrar para o Brasil, a Coroa ofereceu diversos benefícios, entre eles as custas da passagem da Europa até o Brasil, uma porção de terra com cerca de 78 hectares e subsídios de 160 réis por um ano e meio. Além dessas ofertas, houve a promessa de cidadania brasileira imediata e liberdade de culto, no entanto o Império funcionava sob o Regime de Padroado, isto é, o catolicismo era religião oficial do Estado.

Ao chegarem aos portos do Rio de Janeiro, os imigrantes foram distribuídos para as localidades distintas. Em julho de 1824, as terras de São Leopoldo no Rio Grande do Sul começaram a receber os primeiros imigrantes. Tudo era muito dinâmico, pois para os imigrantes a vinda para o Brasil significava a possibilidade de começar uma nova vida. Mas para além da esperança de prosperidade em uma nova terra, eles enfrentavam o desafio do desconhecido pois eles passariam a viver um novo universo, totalmente diferente dos seus países de origem tanto em termos geográficos, climáticos, culturais e econômicos. Além disso, impactava diretamente na adaptação dos recém-chegados a grande distância existente entre as expectativas criadas e as promessas feitas (o que fez muitas pessoas migrarem para o Brasil) da realidade vivida por eles quando chegavam nas regiões coloniais.

Existia uma lacuna muito grande entre aquilo que era prometido na Europa aos imigrantes e aquilo que a realidade brasileira efetivamente oferecia. Devido a isso e a outros fatores, a adaptação dos imigrantes a nova sociedade nem sempre foi tranquila. Em alguns casos, esta situação acabou gerando conflitos de proporções maiores. Um deles entrou para os anais da história brasileira - “A Revolta dos Muckers”.

A revolta que ocorreu de 1873 a 1874 na colônia de São Leopoldo, localizada na província de São Pedro do Rio Grande do Sul, está diretamente relacionada ao processo de adaptação dos imigrantes a nova realidade nacional e foi uma consequência do modo como a política de imigração e colonização desenvolvida pelo Império foi administrada. Um dos principais objetivos dessa política foi o de buscar a substituição do trabalho escravo pelo trabalho livre Além da tentativa de branqueamento da população brasileira. O problema da mão de obra ganhou proporção e prioridade no Brasil a partir da segunda metade do século XIX com foco principal em atender aos interesses dos grandes fazendeiros. Assim, toda a política de imigração e colonização desenvolvida no período não levou em consideração os anseios e desejos das populações imigrantes, bem como dos grupos que viviam nas regiões de fronteira agrária onde as colônias geralmente eram estabelecidas, como os indígenas, as populações caboclas, os escravos fugitivos e libertos.


A memória da Revolta

A documentação sobre a Revolta dos Muckers, em sua maior parte foi produzida a partir do ponto de vista de representantes dos grupos dominantes ou por agentes do Estado. Nela predomina uma leitura preconceituosa sobre os Muckers e os acontecimentos que envolveram esse conflito. Eles são apresentados e representados como “fanáticos”, pessoas “violentas”, “ignorantes”, e que, a proporção que a revolta tomou, foi consequência das características desses indivíduos. Além dessa representação estar presente na documentação e na história “oficial” há também uma memória construída sobre o evento que se pauta na ideia de que os Muckers eram somente fanáticos religiosos e que todo o conflito aconteceu devido a esse fanatismo, quando na realidade esses sujeitos estavam vivenciando a experiência de uma nova vida em uma terra muito distinta e frustrados com a realidade da situação dos imigrantes no país que era totalmente diferente do prometido à eles enquanto estavam na Europa.


Os Muckers

Os Muckers eram um grupo de imigrantes alemães composto de mais ou menos 150 pessoas que haviam chegado na colônia de São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, na década de 1870. O grupo constituía-se de uma comunidade fundamentada a partir das leituras da Bíblia e na realização de práticas curativas feitas por Jacobina Mentz Maurer e seu marido João Jorge Maurer.

Casamento de Jacobina Mentz Maurer e João Jorge Maurer
Casamento de Jacobina Mentz Maurer e João Jorge Maurer

Nos seis anos em que atuaram no interior da comunidade, o casal Maurer conquistou um número expressivo de simpatizantes legitimando sua existência, tal como suas práticas. Como uma forma de expressão de sua separação com o mundo exterior, os adeptos das práticas em conjunto com os seus líderes, desenvolveram uma série de condutas próprias que em grande medida se distanciavam das normas do Império.

Como forma de organização, desenvolveram um calendário próprio para ser seguido pelos membros do grupo. Datas como o dia que Jacobina Maurer saiu da Santa Casa de Misericórdia em Porto Alegre, local onde ficou em reclusão para inquérito policial, e o dia que chegou em São Leopoldo, especificamente em Ferrabrás, eram comemorados como dias santos. Desta forma, é visível como bem estruturado era a comunidade.

Jacobina Mentz Maurer – líder dos Muckers
Jacobina Mentz Maurer – líder dos Muckers

Jacobina apresentava crises de desmaio e sonambulismo desde os 14 anos. As pessoas a sua volta acreditavam que tais sintomas eram sinais sagrados. A imagem da líder chegou a ser relacionada com a de Jesus Cristo, devido aos atos de bondade e por sua dedicação aos “menos afortunados”. Porém para a comunidade local os Muckers não eram bem-vistos. Os colonos os consideravam fanáticos religiosos, devido aos costumes e práticas distintas e por este motivo e por receio de sofrerem violências e repressão, os Muckers não frequentavam as escolas e as igrejas. Devido a popularidade negativa dos Muckers, o grupo começou a ser culpabilizado por diversos incidentes, como assassinatos e atentados. Diante dos olhos do Estado, os Muckers eram considerados uma ameaça para a ordem social e deveria ser contida.

A repressão

A repressão aconteceu mesmo sem motivos evidentes contra os Muckers. Tratava-se de um grupo de pessoas que estavam organizados em torno de preceitos religiosos e marcado por uma leitura particular dos ensinamentos bíblicos que estava diretamente relacionada a situação vivida na colônia e da experiência de imigração. Além disso, as autoridades eclesiásticas não viam com bons olhos o fato de que um número significativo de pessoas se reunia de forma autônoma e fazia leituras próprias dos significados dos textos bíblicos, portanto, poderiam representar algum perigo a autoridade da Igreja. Sendo o catolicismo a religião oficial do Estado Imperial, as outras religiões tinham sua liberdade de expressão controladas pelo Estado.

Essa insegurança aliada ao preconceito religioso juntou-se a diversos boatos infundados e acusações falsas aos integrantes do grupo, como a morte de Jacob Kramer, comerciante e opositor do grupo, encontrado morto dias depois de desaparecer, mesmo sem terem achados quaisquer vestígios de violência, espalhou-se a notícia de que Kramer teria sido morto pelos Muckers. Outro incidente contabilizado aos integrantes da comunidade, em especifico a Jacobina, um morador local chamado Pedro Hirt sofria com hipocondria e dias após visitar a cada da líder do grupo cometeu suicídio. Os moradores locais acreditavam que a tragédia aconteceu sob a influência do casal Maurer. Outro episódio ocorreu quando o inspetor João Lehn, ficou gravemente ferido após ser atacado por dois homens a cavalo em frente a sua residência e a responsabilidade do ataque também foi creditada sem provas aos Muckers,. Esta última acusação foi responsável pela prisão de 33 Muckers que foram levados a São Leopoldo.

Em 1873, foi realizado um primeiro ataque contra o grupo pelas tropas do exército com a colaboração dos colonos que viviam nas proximidades. Os Muckers conseguiram resistir e chegaram a matar um dos comandantes na investida. As perseguições persistem e na noite de 25 de junho de 1874, os Muckers revoltaram-se com as injustiças e atacaram alguns de seus principais opositores, incendiando suas casas. Muitos colonos reuniram-se com medo dos ataques e promoveram na noite seguinte uma retaliação ao grupo de imigrantes, cerca de oitenta homens atacaram, saquearam e incendiaram várias casas abandonadas dos Muckers.

Os ataques continuaram nos dias que se seguiram, as disputas e brigas eram intensas até que no dia 28 de junho de 1874, o coronel Genuíno Sampaio acompanhado de 98 homens seguiu para o Morro Ferrabraz e atacou os Muckers, parte deles conseguiram fugir. No dia 19 de julho do mesmo ano aconteceu um outro ataque ainda mais violento, a casa dos Maurer foi incendiada e vários homens, mulheres e crianças foram mortos, roubados e violados, inclusive a líder teve seu rosto desfigurado no ataque. Jacobina e mais 17 muckers conseguiram fugir. No entanto, a perseguição continuou até que em 02 de agosto de 1874 o restante do grupo foi morto brutalmente pelas tropas governamentais. Os que sobreviveram a esse terrível ataque foram presos e investigados pelo Estado.




[1] ABDELMALEK, Sayad. A imigração ou os paradoxos da alteridade. 1ª ed. Editora EDUSP. São Paulo, 1991. p. 10-72.

[2] GEVEHR, Daniel Luciano. Fier-à-Bras: As diferentes representações do cenário do conflito Mucker. Revista Mouseion, n. 16. Canoas, dez.2013. p. 75-95.

[3] DICKIE, Maria Amélia Schmidt. Afetos e circunstâncias: um estudo sobre os Mucker e seu tempo. Tese (Doutorado em Antropologia Social) Universidade de São Paulo. São Paulo, 1996.

[4] KUNZ, Marinês Andrea. O Movimento Mucker: suas relações com a igreja católica e a protestante. Revista Brasileira de História & Ciências Sociais, v. 4, n. 8. 08 dez. 2012.


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