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  • História e Música: Tecnologias e Memórias

    Por Juliana Wendpap Batista (Historiadora, Doutora em História pela UFF) O caráter polissêmico da música e sua linguagem não referencial, transformam essa matéria em um campo de pesquisas indócil. Compreender o seu sentido no tempo, e através do tempo, não se faz apenas por meio de um simples processo de decodificação, mas sim a partir do entendimento de sua construção numa rede de múltiplos agentes, esses nem sempre visíveis. O problema reside, em primeiro plano, na própria essencialidade do material musical: como tratar uma fonte intangível? A música escapa de nossas mãos, sendo verificável apenas por meio dos indicativos do seu processo. Podemos ver sua grafia numa partitura, mas ela só acontece ao ser executada. Por outro lado, ela independe de sua escrita, ou até, de instrumentos musicais, fazendo-se acontecer no soar melódico da nossa voz. Trata-se de um fenômeno tido como universal, pois sua presença é verificável em todas as épocas, entre os diferentes povos e culturas que habitam nosso planeta. A notação musical, até fins do século XIX e início do século XX, foi a grande guardiã da memória musical. As partituras constituíam então o único meio de conseguir execuções múltiplas e fiéis de uma mesma obra. As inovações tecnológicas, como o fonógrafo, chegaram para driblar a efemeridade da música, a qual passou a ser apreendida em suportes de mídias fonográficas, chegando ao século XXI com larga distribuição e reprodução via streamings, em plataformas digitais. Isso faz a música extrapolar os limites do acontecimento de sua execução, permitindo sua manifestação posteriormente, ficando acessível assim a todos, em qualquer momento ou lugar. Reflexões sobre a relação intrínseca da música com o tempo, encaminham para a maior afinidade desta forma artística com a história: o próprio tempo. Marc Bloch define a história como “a ciência dos homens no tempo”, contrapondo a visão da “história como uma ciência do passado”. Ele também pondera que se “esse tempo verdadeiro é, por natureza, um continuum (…), [é] também perpétua mudança”. Esta constante preocupação dos historiadores com o tempo histórico deve ser considerada nas pesquisas sobre músicas, as quais produzidas pelo homem no tempo, a cada situação de reprodução, acabam por trazer consigo a diferença. Surge, então, um segundo problema para o pesquisador: nossos ouvidos podem atingir um padrão de audição capaz de compreender o momento de produção, ou mesmo de reprodução, de uma obra musical? Dilemas metafísicos e desafios de parâmetros de escuta são apenas algumas das preocupações que têm ocupado os pesquisadores nos últimos tempos, tanto musicólogos, quanto historiadores. Nesse percurso, os estudos de história e música incidiram por encontros e desencontros, caracterizados pela própria epistemologia e busca de uma definição destes dois campos de saberes. Estes refletem as preocupações e dificuldades vivenciadas pelos interessados na temática e no ato de “pensar” a música. Memória em tempos de internet Pensar a música no tempo é pensar o movimento dos sons, assim como pensar a história é refletir sobre as memórias em movimento. Os sons do mundo não cessam, quando pensados globalmente. Na ordenação, de parte desses sons, são geradas milhares de músicas, que tocam sem parar ao redor do mundo. Isso se verifica facilmente na era digital em que vivemos e a qual faz crescer ainda mais a indústria de entretenimento. Dela, faz parte a indústria fonográfica, que ao longo do século XX estruturou-se para a transformação das músicas em produto, em vários casos com enorme êxito, temos aqui a ideia de sucesso, de onde surgiram ídolos que marcaram suas décadas. Transformada em produto, a música transpôs distâncias e rompeu continentes. Levada, primeiro pelas ondas do rádio, depois pela TV via satélite, agora alcançou o mundo por meio da internet. A internet e suas redes sociais propiciam uma interconexão, dita sem limites. Podemos assistir simultaneamente, e praticamente em tempo real, eventos de entretenimento ao redor do mundo. Atualmente, com o fenômeno vivenciado pela pandemia do COVID 19, elas tem sido uma ferramenta muito valiosa para manter a produção artística viva, aproximando públicos e artistas. É preciso lembrar que antes de tornar-se mercadoria, a música é produto cultivado pelos homens na ancestralidade. Ao longo dos séculos, em seus meios, criou sentidos e memórias através do tempo. Como fruto dos homens, carrega as contrariedades e limitações próprias do tempo em que foi concebida. As transformações tecnológicas, compreendidas a partir do desenvolvimento dos primeiros instrumentos musicais, passando pelo surgimento e ampliação de técnicas de gravação dos sons e imagens em suportes de mídia analógicas e digitais, até a criação de meios virtuais de indexação e propagação das mesmas, mudaram as relações de produção e recepção das músicas ao redor do mundo. Se por um lado, a rede de internet homogeneíza e massifica, entre outros produtos, também as músicas, por outro lado, também cria ferramentas e espaços para diferentes manifestações culturais, compartilhando saberes numa contínua diversificação do mundo. Etnias contrastantes, fundamentadas na oralidade, têm hoje representações de suas tradições facilmente localizáveis em vários sites de compartilhamentos de vídeos. Isso deve ser percebido sem a crença de que vivemos em um mundo onde todos estejam conectados, tampouco ser gerido por certo maniqueísmo que divida o mundo entre aqueles que estão dentro ou fora da rede. O que chama a atenção nessa era digital é a velocidade com que sua atuação vem alterando a percepção do mundo pelos sujeitos. A escrita da história, habituada com os arquivos e seus documentos, os quais há poucas décadas atrás, materializavam-se em pilhas e pilhas de papel, também se esforça para apreender um número sem fim de informações geradas e compartilhadas, dia após dia, em plataformas digitais. Superada a ampliação da noção de documento, assistimos hoje ao alargamento das possibilidades de pesquisa e divulgação de todo tipo de informação. Ao longo do século XX, as transformações tecnológicas possibilitaram a multiplicação das mídias através de meios técnicos que revolucionaram as formas de produção, reprodução, armazenamento e difusão de mensagens. É inegável que o rápido desenvolvimento, dessas e outras tecnologias, na virada do século XX, transformaram também a maneira de ensinar, pesquisar e divulgar a história. É nesta seara, de um mundo digitalmente compartilhado, que vamos busca tecer relações entre história, memória e música. Adaptação do texto: BATISTA, Juliana Wendpap. Pensando a musica no tempo: Reflexões sobre a pesquisa história em história e Música entre os séculos XX e XXI. In: MEDEIROS; SOUZA (ORGS). História & Música Popular. Teresina: EDUFPI, 2013. pp. 13-41. Referências: BLOCH, Marc Leopold Benjamim. Apologia da História – o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001. #históriaemúsica #históriaememória #músicaetecnologia

  • “Mozart: música na corte e autonomia da arte”

    Resenha do livro "Mozart: Sociologia de um gênio", de Norbert Elias, Editora Zahar, 1991. O livro do sociólogo alemão traz uma análise da relação entre arte-sociedade no século XVIII. Na opinião de Elias, a música é indissoluvelmente ligada ao tipo de sociedade e à época em que ela é produzida. Sua percepção do caso do compositor busca avaliar o conflito trágico entre criatividade pessoal e uma sociedade que queria controlá-la. Mozart nasceu em 27 de janeiro de 1756, em Salzburg, na Áustria, localizada na fronteira com o estado alemão da Baviera. Desde muito cedo demonstrou forte aptidão para a música e aos 5 anos de idade já compunha e fazia apresentações públicas. Teve uma vida curta, morreu em 5 de dezembro de 1791, aos 35 anos de vida. Ainda assim, compôs mais de 600 composições, muitas delas consideradas obras-primas, que o transformaram em um dos mais produtivos músicos da história. O músico foi educado na tradição dos músicos artesãos da corte e buscou alcançar o status de um músico autônomo, com independência do gosto da corte. Seu sonho fracassou. Segundo Norbert Elias, o desejo de Mozart não apresentava condições de realização em uma sociedade que ainda não estava preparada para tal. Tendo virado atração nas cortes europeias como “garoto prodígio”, ao torna-se adulto já não trazia a mesma novidade de outrora. Inconformado, sua música revelou sua posição contraditória. Isso dificultou suas relações e acumulou dívidas em seu nome. Algumas delas, o músico pagou com composições, mas foi apenas no século XIX, com a geração seguinte, de músicos como Beethoven e Wagner, que que desenvolveu-se a autonomia do trabalho musical. Com a conquista de outros espaços para apresentações e publicação e venda de partituras, tornou-se possível alcançar um público anônimo e pagante. Os membros da sociedade de corte europeia viviam de rendas herdadas e tinham obrigações que não eram tratadas no sentido de um trabalho profissional, já que o trabalho era considerado uma característica das ordens inferiores, ou seja, dos burgueses e das massas populares. Enquanto uma classe ociosa, a aristocracia exigia um programa intenso de entretenimentos, o qual incluía óperas, concertos dos músicos empregados pela corte ou de virtuosos itinerantes. Ainda assim, na corte principesca, que era, essencialmente, o palácio do príncipe, os músicos eram tão indispensáveis, quanto os pasteleiros, cozinheiros e eram tratados igualmente como “criados de libré”. A música nessa sociedade, não tinha, em primeiro plano, a função de expressar ou evocar sentimentos individuais, mas sim, a de agradar os senhores e senhoras dessa classe dominante. Arte de artesão e arte de artista No século XVIII, na Alemanha, Áustria e sua capital Viena e França, as pessoas que trabalhavam com música dependiam muito de favores patronais, ficando assim atrelados ao gosto da corte e dos círculos aristocráticos. Em outras áreas como a literatura e a filosofia, onde o mercado para a publicação de livros permitia uma maior circulação das ideias, já existia certa liberdade desse padrão. Na música, ainda em fase artesanal, o padrão de gosto do patrono prevalecia na produção artística, sobrepondo e canalizando a imaginação do artista. Mozart viveu o dilema entre sua identificação com a nobreza da corte e seu gosto e o ressentimento pela humilhação que ela lhe impunha. Ele considerava a ópera, a obra musical mais prezada pela corte, com um valor da mais alta realização pessoal. Contudo, tais produções acarretavam em altos custos e ficavam vinculadas às instituições das cortes. Ele, que queria ser um artista livre, acabou por ficar fortemente ligado à essa tradição musical. Para Elias, sua situação era peculiar e, embora fosse um subordinado, socialmente dependente dos aristocratas da corte, tinha a clara noção de seu extraordinário talento musical, o que o levava a se sentir igual, ou mesmo superior a eles. Isso era demonstrado em sua postura e linguagem, muitas vezes vistas como inapropriadas para os salões que frequentava. Comumente inventava histórias engraçadas e absurdas e tinha predileção por expressões escatológicas com intenções humorísticas. O músico gostava de se fazer de palhaço. A imagem de “bufão” foi explorada pelo cinema no filme norte-americano “Amadeus”. Sua morte precoce também gerou especulações, que nesse enredo ficcional deram voz a trama de que Mozart teria sido envenenado por Salieri, um músico de sua época. Entre especulações românticas sobre sua morte, desde assassinato à perda da saúde por inconformismo e falta de esperanças, suas ações de revolta representaram um passo adiante na transição do artista empregado para o artista livre. Genialidade Ao ouvir falar de Mozart, logo encontramos expressões como “gênio inato”, que leva a crer que sua capacidade de compor era congênita, ou seja, geneticamente determinada. Não há dúvidas de que a imaginação de Mozart se expressava em padrões sonoros com espontaneidade e energia que lembram uma força natural. Contudo, é preciso avaliar este conceito romântico e idealizado, no qual a maturação do talento é considerada como um processo autônomo, que acontece no interior do indivíduo. Dessa forma, a arte é tomada como independente da existência social do indivíduo. Isso desconsiderada a trajetória pessoal do artista e suas relações com o processo social. Mozart realmente soube fazer coisas que a maioria das pessoas não sabia. Na arte, diz-se que isso se deve ao poder da imaginação, a qual permitiu que ele se expressasse em formas musicais que foram muito além das combinações dos padrões da época. É o que podemos chamar de criatividade. É preciso lembrar sua rígida educação musical. Ele recebeu de seu pai um treinamento tradicional bem completo. Leopold Mozart foi um músico com acentuada tendência pedagógica, que alcançou certo sucesso como regente substituto na corte de Salzburg. Todo seu desejo de realização social foi dirigido aos seus dois filhos, Maria Anna, e, especialmente à Mozart, cuja educação musical eclipsou todas as suas outras tarefas. Por outro lado, as viagens em apresentações proporcionaram à Mozart um conhecimento mais amplo da vida musical da época. Isso, somado a sua impressionante memória musical e criatividade, resultaram em composições que fizeram avançar as estruturas vigentes nesse campo. Como saber mais sobre o compositor Apesar de sua curta trajetória e de não ter vivenciado seu notável sucesso, sua obra foi interpretada por um incontável número de pessoas, entre grupos de música de câmara e orquestras, ou como repertório de escolas de música no mundo todo. Suas composições foram gravadas e regravadas, nos mais diversos tipos de mídias, como LP’S, cd’s ou Laser’s disc. Hoje sua discografia está disponível para download na internet e nas plataformas de streamings. Sua casa virou museu na Áustria e sua imagem está estampada publicamente nos mais diversos materiais, de estátuas à selos e objetos decorativos. O interesse pelo músico também gerou muitos livros biográficos, virou filme e série para a televisão. Como é possível perceber, o tempo encarregou-se de relevar o papel transformador da música de Mozart, marcando seu nome na posteridade. Há dúvidas se Mozart foi um representante musical do rococó ou do século XIX burguês, ou, ainda, se sua obra foi a última manifestação pré romântica. Para Elias “Sua imensa capacidade de sonhar em estruturas musicais estava a serviço [de seu] secreto anseio de amor e afeto”. Sua correspondência pessoal, especialmente as cartas enviadas para sua esposa Constanze, por quem sempre demonstrou intensa paixão, revelam suas inseguranças quanto a sua aparência e seus desejos de aceitação social e reconhecimento. O sucesso, visto hoje, não impediu que ele fosse enterrado em uma vala comum do cemitério de Saint Marx de Viena. Contudo, para além das classificações, ao avaliar sua vida e obra podemos observar que a música é parte de um processo que envolve o estudo da técnica, a pesquisa e a criatividade. Tudo envolto na trajetória pessoal do artista e seus meios de expressar suas vivências sociais. #MozartHistória #Mozartvidaeobra #BiografiadeMozart #SociologiadeumGênio #ResenhaMozartSociologiadeumgênio #HistóriadaMúsica #HistóriadaSociedadedeCorte #HistóriaModerna

  • A Invenção da América Latina

    Por Professora Dra. Ângela Meirelles (História - Unioeste) O termo América Latina é muito utilizado, mas sabemos exatamente a quais países este nome faz referência? Se pensarmos bem, a América Latina não corresponde exatamente à divisão dos blocos geográficos estabelecidos, como América do Sul, do Norte e Central. Tampouco corresponde apenas a países onde houve colonização por metrópoles de origem latina, como Espanha, França e Portugal. E o Brasil, faz ou não parte da América Latina? Este tema é um assunto muito debatido entre os pensadores desde a chegada dos Europeus ao continente, passando pelo século XIX. Até hoje segue sendo uma preocupação dos intelectuais, já que entender as origens, os significados e os usos da ideia de América Latina nos ajudará a compreender nossa identidade e também nossos projetos de futuro. A ideia de que haveria uma unidade na região do mundo hoje conhecida como América Latina surge no momento das Independências, no século XIX. Desde os anos 1960, predominou a ideia de que o termo América Latina foi cunhado pelo economista francês Michel Chevalier, em 1861, para “justificar o imperialismo francês no México sob o domínio de Napoleão III”. Naquele momento o México enfrentava instabilidade política por conta da formação do Estado nacional após a Independência, ocorrida em 1821. Ao mesmo tempo, os Estados Unidos articulavam-se como uma grande potência que previa tutela e supervisão dos países vizinhos contra as ameaças dos países europeus e também por seus próprios interesses expansionistas. Estas ideias ficaram conhecidas como Doutrina Monroe (1823), que tinha por base a máxima “A América para os americanos”. Por trás deste princípio, defender os países americanos das nações monarquistas organizadas no Congresso de Viena (1815), estavam os próprios interesses dos Estados Unidos na expansão territorial, ou mesmo simples anexação dos territórios do continente. Voltando à ideia de América Latina, na tentativa de forjar uma identidade comum entre os países de fala hispânica e a França, no que ficou conhecido com panlatinismo, Chevalier utilizou o termo América latina. Para ele, a origem latina comum nos aproximaria mais da França do que dos anglo saxões, ou seja, estadunidenses e britânicos. Neste contexto, em 1862, a França conseguiu invadir o México e implantar uma monarquia. Fez coroar um nobre austríaco Maximiliano de Habsburgo transformando-o no Imperador do México. Esta ação teve apoio dos conservadores mexicanos, que se opunham ao presidente Benito Juarez, um liberal. Após cinco anos as tropas republicanas de Juarez venceram os invasores franceses e, em 1867, Maximiliano de Habsburgo foi fuzilado. Mas seria, então, a ideia de América Latina uma invenção francesa? O filósofo uruguaio Arturo Ardao, em 1980, escreveu um livro se opondo a esta tese e defendendo que o termo foi utilizado pelo jornalista colombiano, residente em Paris, José Maria Torres Caicedo (1830-1889), no ano de 1856. Portanto, antes de Chevalier. Caicedo publicou o poema “Las dos Américas” ou As duas Américas, onde opunha a América de origem latina à América de origem saxônica (os Estados Unidos), vista como “sua inimiga mortal que ameaçava destruir a liberdade”. Por que é tão importante buscarmos saber quem inventou o termo e em que contexto foi usado? Porque desde então o termo América Latina vem sendo incorporado pela região para entender-se por meio de uma identidade comum, e desta forma opor-se ao imperialismo europeu e estadunidense. A América Latina significa hoje este conjunto de países que passaram por processos históricos semelhantes, a exploração colonial dos séculos XVI ao XIX, o neocolonialismo e o imperialismo no século XX. É um termo que permite unir mais a Argentina e a Jamaica, país de fala inglesa, do que o Canadá francês, já que estamos falando dos séculos de espoliação colonial, processo histórico que o Canadá não enfrentou. E afinal, com este critério, podemos entender que o Brasil faz parte da América Latina? O que você acha? #HistóriadaAmérica #AidéiadeAméricaLatina #IdentidadeLatinoAmericana #termoAméricaLatina Referências: ARDAO, Arturo. Genesis de la Idea y el Nombre de America Latina. Caracas: Centro de Estudios Latinoamericanos Romulo Gallegos, 1980 FARRET, Rafael Leporace e PINTO, Simone Rodrigues. América Latina: da construção do nome à consolidação da ideia. Topoi, v. 12, n. 23, jul.-dez. 2011, p. 30-42. PRADO, Maria Ligia C. ''Identidades latinoamericanas (1870-1930)''. In: Enrique Ayala Mora (director), Eduardo Posada Carbó (Codirector). (Org.). Historia General de América Latina - Volumen VII: Los proyectos nacionales latinoamericanos: sus instrumentos y articulación, 1870-1930. Ied.Paris: Ediciones UNESCO / Editorial Trotta, 2009, v. VII, p. 583-615.

  • O ILUMINISMO E A ARTE: A PINTURA DE GOYA

    Por Giulia Beatriz Plassmann (graduanda em História - Unioeste) De acordo com Todorov, a pintura para Francisco Goya não era mero divertimento: a imagem revela um pensamento por meio do qual apresenta uma reflexão sobre o mundo e os homens. Goya filosofou sobre seu tempo e a expressou por meio de sua arte. O que percebemos ao apreciar sua obra são as entranhas e o horror daquilo que ele viu e viveu, e acima de tudo, sobre o sentiu: medo, temor, indignação, incompreensão, compaixão. Goya acompanhou boa parte de acontecimentos marcantes da História do século XVIII e do começo do XIX, desde o ambiente intelectual do pensamento Iluminista, do qual era um entusiasta e defensor, até as ações tardias da Inquisição espanhola, que retratou em muitas de seus desenhos, testemunhos de toda insensatez e violência daquela instituição. Também foi contemporâneo da Revolução Francesa e da ocupação da Espanha pelo exército de Napoleão Bonaparte sobre a qual pintou a famosa série “os desastres da Guerra”. Nesta série demonstra, com riqueza de detalhes a brutalidade da guerra e sua falta de sentido: tão devastadora ela é, que liberta os monstros mais cruéis que habitam a humanidade e, em meio ao caos, se esquece seu motivo ou fim, resta apenas violência e morte. Mesmo nas pinturas que fazia sob encomenda, ele não deixava de lado suas críticas pessoais ao tempo e sociedade que vivia. Nas figuras da realeza podemos perceber sua ambição e soberba, e ao mesmo tempo, algo de caricatural e grotesco. Como forma de denúncia às superstições de sua época Goya pintou o obscuro, o pesadelo e o noturno: bruxas, demônios, monstros, seres sinistros do imaginário popular e católico. As bruxas são representadas como velhas, corcunda s, narigudas, em pacto com o demônio, comendo criancinhas e cozinhando pessoas. Fiel ao imaginário popular e cristão da Espanha da época o objetivo dessas obras talvez seja justamente chocar as pessoas que as observam, mostrando o absurdo de se acreditar em tal fantasia macabra, afim de reerguer um ideal já ultrapassado naquele momento de caça às bruxas. Uma de suas obras mais populares representa Saturno devorando sua cria. “É a sociedade eliminando seus excluídos”, Goya quer demonstrar que a “A prisão é uma máquina de triturar o humano.” Que a sociedade é cruel e que exclui e tritura as pessoas que não se encaixam por algum motivo. Goya foi um dos mais peculiares artistas de sua época e é isso que o torna tão especial: suas pinturas não se encaixam em nenhum movimento artístico. Utilizava-se de formas e linhas, mas as negava, defendendo que a arte deveria aproximar-se o máximo possível da natureza, ou seja, da luz e sombra. O pintor ainda acreditava que não deveriam existir regras para a pintura. Para Goya o estudo de técnicas de pintura era um verdadeiro obstáculo para um jovem artista, pois o reprimia e o moldava aniquilando sua autonomia e originalidade. Isso talvez tenha a ver com a sua adesão ao pensamento iluminista, cujo ponto de partida é a crítica à autoridade mantida pela tradição, sob todas as suas formas. Os iluministas garantem sua legitimidade a partir da autonomia da observação imparcial do mundo e do raciocínio lógico. Os iluministas, assim como Goya, denunciavam preconceitos, superstições, ignorância contra os quais invocam a ciência e o conhecimento: Pois o sono da razão produz monstros. Referências Bibliográficas: TODOROV, Tzvetan. Goya, à sombra das luzes. Companhia das Letras, 2014. #Goyapintura #FranciscodeGoya #Iluminismo #GoyaeoIluminismo #PintoresIluministas #SaturnoDevorandoumFilho #PinturasNoturnas #PintoresEspanhóis

  • As Mulheres na Propaganda Soviética

    Por Prof. Rebecca Freitas (Unioeste, doutoranda da UFF) Muitas vezes quando falamos sobre a Revolução Russa e a União Soviética lembramos de palavras como bolcheviques, mencheviques, comunismo, socialismo e de figuras como Lênin , Trotsky e Stálin. Tudo isso é muito importante, mas não é suficiente para entendermos o que foi esse processo. Uma Revolução não significa somente uma mudança do regime político ou econômico numa compreensão geral. Ela muda diversos aspectos da vida de homens e mulheres concretos. Há mudanças nas indústrias, nos empregos e nos salários. Mas também na educação e moradia. Muda até a forma das pessoas pensarem e se relacionarem! Um tema interessante é pensar como a Revolução Russa impactou a vida das mulheres. Mulheres na Propaganda da União Soviética Em primeiro lugar, temos que levar em consideração que a União Soviética existiu por mais de 70 anos e que as condições das mulheres mudaram ao longo desse período. Nesse texto vamos falar sobre as mudanças ocorridas em 1917, logo depois da revolução. A partir da Revolução Russa em 1917, as mulheres conquistaram diversos direitos que ainda não existiam em outros países do mundo na mesma época. Uma forma de sabermos disso é olhar para a legislação da época como uma evidência do que aconteceu. Após a revolução foram aprovadas leis que garantiam: Direito de eleger e ser eleita (1918), Direito ao divórcio direto e independente de mútuo consentimento (1918), Direito a seguir o cônjuge apenas se assim desejasse (1918), Pensão alimentícia para ambos os sexos (1918), Licença-maternidade paga pelo Estado (1920), Legalização do aborto (1920), Igualdade salarial entre os sexos (1918). Se as leis são uma evidência de como caminhavam as relações de gênero naquele período, podemos procurar respostas também em outros lugares. Já se perguntou como eram vistas as mulheres naquele período? Que ideia as pessoas tinham delas? E que ideias a liderança da revolução estimulava que a sociedade tivesse? Essa não é uma pergunta fácil de ser respondida, mas podemos pensar alguns elementos a partir dos cartazes que foram produzidos naquela época. Propaganda soviética nos cartazes Os cartazes foram uma forma de comunicação importante durante a revolução russa. Neles podemos ver representações de ideias que se desejava promover através da propaganda e que compunham a visão de mundo dos seus produtores e de seu público. Podemos pensar, assim, que os cartazes podem ser fontes interessantes para estudar a história de vários períodos. Em relação à História da Revolução Russa especificamente, os cartazes ganham ainda mais importância por dialogarem com uma tradição da Igreja Ortodoxa russa de usar imagens para se comunicar com os fiéis . Além disso, naquela época havia grandes taxas de analfabetismo – trazendo ainda mais importância para as imagens. Se olharmos para a representação das mulheres especificamente, veremos que até 1920 elas apareceram pouco nos cartazes. Os heróis representados eram as figuras do trabalhador, do soldado e do camponês. Nos cartazes desse período, quando as mulheres apareciam eram majoritariamente como figuras alegóricas. Isso quer dizer que elas representavam ideias e não mulheres de fato. Essa foi uma representação comum durante a Revolução Francesa como na famosa pintura de Delacroix feita em 1830, onde a mulher representa a liberdade que lidera o povo. Esse tipo de representação também era comum na Rússia pré-revolucionária, como podemos ver nesse cartaz. Ele se chama “Rússia e seu Guerreiro” e foi feito em 1905. Nele a mulher representa a pátria, a Rússia. Outro exemplo é esse cartaz, intitulado “Rússia pela Verdade” de 1914, ano em que iniciou a Primeira Guerra Mundial. Nesse cartaz, a mulher, além da mulher que representa alegoricamente a Rússia, podemos identificar outras alegorias, como o inimigo transformado em monstro e a referência à São Jorge na vestimenta, armadura e postura da Rússia. Essa representação alegórica permanece presente depois da revolução até 1920. Por exemplo, nesse cartaz, de 1917, intitulado “Vote no partido da Liberdade do Povo” a mulher sentada ao cavalo empunhando uma espada representa a ideia de liberdade. Não é uma referência às mulheres realmente existentes, mas uma alegoria. A partir de 1920 há uma mudança na representação das mulheres – surge a figura da trabalhadora como heroína. Alguns cartazes que foram lançados nesse ano representavam mulheres com características semelhantes a do homem trabalhador. O primeiro deles, é o “1º de Maio – Dia de trabalho voluntário de toda Rússia” feito pelo artista Dmitrii Moor. Nele podemos ver que junto ao homem, ainda que em posição de menos destaque, agora também há uma mulher trabalhadora da indústria metalúrgica. Aqui podemos ver uma referência a uma mulher real, afinal, 33% da força de trabalho industrial em Petrogrado em 1917 era composta por mulheres e esse número subia para 43% quando olhamos para a Rússia como um todo. Contudo, elas representavam a maioria das trabalhadoras da indústria têxtil, sendo a metalurgia ainda majoritariamente um trabalho masculino. Por que a mulher é representada enquanto trabalhadora metalúrgica, executando uma tarefa que normalmente não fazia de fato nessa indústria? Vemos assim que se representa uma trabalhadora, mas alçada à condição de heroína, e que compõe a cena com o trabalhador herói, o qual já vinha sendo representado como metalúrgico. As mulheres trabalhadoras na propaganda soviética Outro cartaz importante de 1920 é o intitulado “O que a Revolução de Outubro deu à Trabalhadora e à Camponesa”. Nesse podemos ver a mulher como protagonista, vestindo um macacão e segurando um martelo o que a identifica como trabalhadora. Aos seus pés vemos uma foice, que simboliza a união com o campo. A trabalhadora aponta para prédios onde estão indicadas algumas conquistas da revolução para as mulheres como “maternidade”, “biblioteca” e “clube das trabalhadoras. A partir de 1926, aparece com força a figura da mulher trabalhadora. Em “Mulheres Emancipadas – Construam o Comunismo” do artista Adolph Strakhov vemos uma mulher que olha para frente com olhar determinado – a fábrica no fundo a identifica como trabalhadora. A bandeira em sua mão a identifica ao comunismo. Juntando as informações presentes na legislação da época e as imagens dos cartazes, podemos entender que houve transformações importantes para a vida das mulheres após a Revolução. No entanto, vemos que esse processo é complexo e contraditório, pois ao mesmo tempo em que houve importantes conquistas em termos de legislação para as mulheres, na propaganda revolucionária as mulheres não figuravam como protagonistas desse processo. Isso muda ao longo do tempo, como vimos nas imagens que mencionamos. Referências: AMÉRICO, E. V.; SENNA, T. C. A baba e a Nova Mulher nos cartazes soviéticos dos anos 1920-1930. Galáxia (São Paulo), n. 37, p. 135–148, abr. 2018. BONNELL, V. E. Iconography of Power: Soviet Political Posters under Lenin and Stalin. [s.l.] University of California Press, 1998. FREITAS, R. O.. Realismo Socialista: uma Análise do Lugar da Mulher em Cartazes Soviéticos da Segunda Guerra Mundial. In: IX Simpósio Nacional Estado e Poder: Gramsci na Pesquisa Histórica, 2016, Niterói. Anais do IX Simpósio Nacional Estado e Poder: Gramsci na Pesquisa Histórica, 2016. p. 672-687. #MulheresURSS #MulheresnaPropagandaComunista #MulheresnaPropagandaSoviética #MulheresnosCartazesSoviéticas #MulheresnosCartazesSoviéticos #HistóriadaURSS #HistóriaContemporânea #HistóriadaRevoluçãode1917 #HistóriadaRevoluçãoSoviética #HistóriaRussa #HistóriaeGênero #HistóriadaRevoluçãoRussa #LegislaçãosobreasMulheresURSS #MulheresComunismo

  • Os lavradores e a terra no Paraná oitocentista

    Por Prof. Dr. Fabio Pontarolo (Universidade Federal da Fronteira Sul - UFFS) Até o século XVIII, todo o Oeste do estado do Paraná fazia parte dos territórios tradicionais dos indígenas Kaingang e Guarani, que somavam milhares de habitantes em diferentes grupos espalhados pela região. Essas áreas eram repletas de campos e pinheirais que se estendiam até o Rio Grande do Sul. Pelo sistema Colonial, as terras do Paraná também estavam sob poder da Capitania de São Paulo. A PRIMEIRA TENTATIVA DE OCUPAÇÃO Com o avanço das fazendas de criação de gado de portugueses e paulistas na região de Castro e Curitiba, o gado criado nessas fazendas era levado por tropeiros pelo caminho do Viamão até Sorocaba, em São Paulo, onde era vendido para o Rio de Janeiro e para Minas Gerais. A partir de 1750, os fazendeiros dessas cidades passaram a fazer novas expedições contra os indígenas mais à Oeste, e com ajuda do governo colonial português, tentaram expandir suas propriedades em direção aos campos de Guarapuava. Porém, em 1772, após 4 anos de tentativas, as tropas comandadas pelo português Afonso Botelho foram derrotadas pelos indígenas Kaingang, que conseguiram adiar a tomada dos seus territórios pelos fazendeiros dos Campos Gerais. A OCUPAÇÃO NO SÉCULO XIX Em 1809, após a chegada da família real portuguesa ao Brasil, uma nova expedição foi preparada e enviada de Curitiba para os Campos de Guarapuava. Por ordem de Dom João VI, os indígenas deveriam ser catequizados, e aqueles que resistissem à ocupação de suas terras tradicionais poderiam ser escravizados pelos fazendeiros que ocupassem o território. Porém, o decreto real também ordenava que além de grandes sesmarias, fossem distribuídas pequenas propriedades para os lavradores pobres dos Campos Gerais e de toda a província de São Paulo que migrassem para Guarapuava. Esses pequenos terrenos formavam o chamado “Campo da Pobreza”, e deram origem a grandes bairros de Guarapuava, circulando a área central da cidade. Nesses pequenos terrenos com apenas alguns alqueires, esses lavradores produziam milho, feijão e ainda criavam alguns animais. Muitos desses agricultores pobres eram de origem negra ou indígena, muitos deles libertos da escravidão. Formavam um grupo de até 85% dos habitantes de Guarapuava, mas, em comparação com as grandes fazendas, ocupavam menos de 15% das terras da região. Mesmo assim, tinham um papel muito importante na economia da região. A partir de 1840, com a abertura do Caminho de Missões, criou-se uma nova rota do Oeste do Rio Grande do Sul até São Paulo, e anualmente mais de 30 mil animais passaram a atravessar Guarapuava rumo à Sorocaba para abastecer as fazendas de café com mulas, cavalos e bois. Durante a viagem, um dos pontos de parada dos tropeiros eram as invernadas de Guarapuava: fazendas transformadas em espaços de pouso, engorda e descanso dos animais até seguirem viagem. A RESISTÊNCIA DOS PEQUENOS AGRICULTORES Durante essas estadias, os pequenos lavradores podiam vender os produtos agrícolas que não consumiam com suas famílias. Assim, supriam parte das necessidades das tropas e faziam algum dinheiro que lhes garantia o complemento do sustento de suas famílias sem precisar depender do trabalho constante nas grandes fazendas. Até um pequeno mercado municipal foi criado para esse fim, com diversas barracas onde os lavradores podiam vender seus produtos. A venda do milho, do feijão, além de batatas e de outros produtos das pequenas lavouras evitava a exploração da mão de obra desses lavradores pelos fazendeiros. Estes grandes proprietários muitas vezes escreviam ao governo paranaense reclamando da dificuldade em contratar os lavradores para substituir a mão de obra nas fazendas após o fim do tráfico de escravos para o Brasil em 1850. Em 1853, o Paraná se emancipou de São Paulo, tornando-se uma nova província no Brasil Império. A economia do gado e da erva-mate deram ainda mais poder aos grandes fazendeiros paranaenses. Em 1854, os deputados da Assembleia provincial e o primeiro presidente da província, Zacarias de Góes e Vasconcelos, iniciaram a aplicação da Lei de Terras de 1850 no Paraná. Uma das maiores consequências dessa lei foi a transformação de todas as terras sem registros de propriedade, à Oeste de Guarapuava, em área devoluta, ficando sob propriedade do governo da província. Essa medida não levava em consideração que as terras já tinham donos. A partir de 1850, com o crescimento natural das famílias, os lavradores de Guarapuava e de todo o Paraná que precisavam de novos terrenos para plantar não tinham mais acesso à terra. Com o avanço da exploração da erva mate nas matas devolutas da província, era no trabalho de coleta nos ervais nativos que os lavradores complementavam a renda familiar. Outro caminho encontrado por essa população foi o trabalho na derrubada de árvores para grandes madeireiros, que fizeram muito dinheiro com a exploração clandestina dos grandes pinheirais na fronteira Oeste do Paraná, escoando a madeira para a Argentina. Hoje, certamente ainda se produz na representação coletiva da ocupação do Oeste do Paraná um imaginário baseado no imigrante europeu visto como o valente pioneiro a ocupar um espaço ainda vazio. No entanto, muitos lavradores e indígenas fizeram parte do passado da ocupação do Oeste do Paraná. No início do século XX, a Guerra do Contestado mostrou outras faces dos descendentes dos lavradores pobres do século XIX, ainda em luta pelo direito à terra no Paraná. #lavradores #indígenas #terra #Paraná #história #curtaHistória #HistóriaUnioeste #GuarapuavaHistória #HistóriaDeGuarapuava #HistóriadoParaná #ColonizaçãodoTerritório #ParanáSéculoXIX #ParanáKaingang #ParanáSéculoXVIII #ParanáOitocentista #LavradoresPobresParaná #HistóriaAgráriaParaná #OcupaçãodoTerritórioParanaense #ConflitosDeTerraParaná Para saber mais: http://tede.unioeste.br/handle/tede/4418

  • A atuação da MARIPÁ na ocupação e na colonização do Oeste do Paraná

    Por Prof. Dr. Claércio Ivan Schneider (Unioeste)[1] [1] Fragmentos retirados da obra: SCHNEIDER, Claércio Ivan. Os senhores da terra: produção de consensos na fronteira oeste do Paraná (1946-1960). Aos Quatro Ventos; Curitiba 2002. Com sede administrativa em Porto Alegre, a MARIPÁ organizou uma filial de sua empresa no Oeste do Paraná, preocupada principalmente com a extração, a exportação e a industrialização de madeiras e com a comercialização de terras. A área que passou a ser colonizada pela MARIPÁ no Oeste paranaense foi adquirida em 1946, através da compra da "Fazenda Britânia", pertencente até então à Companhia de Maderas del Alto Paraná, empresa de capital inglês com sede em Buenos Aires[1]. A MARIPÁ estruturou-se pela associação de vários acionistas, a maioria deles proveniente do Rio Grande do Sul e com larga experiência no ramo comercial. Entre estes, destaca-se o nome de Willy Barth[2], um dos principais dirigentes desta companhia. Descendente de alemães protestantes, exerceu atividades ligadas ao comércio e à colonização em áreas do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina (na cidade de São Miguel do Oeste, por exemplo). Outros personagens centrais desta companhia, como os irmãos Dalcanale, também eram hábeis negociantes à procura de novas terras para comercialização ou colonização. Somam-se a estes nomes, Alfredo Ruaro, comerciante de Farroupilha - RS; Curt Bercht e seu irmão Egon Werner Bercht, empresários de renome nacional, líderes de diversas empresas; e também Wilson Carlos Kuhn, advogado da colonizadora. O perfil dos personagens acima mencionados revela uma ampla experiência comercial adquirida ainda no Rio Grande do Sul. Essa experiência prévia foi decisiva no contexto do povoamento da antiga "Fazenda Britânia", tanto nas questões de ordem cultural quanto nas de ordem político-econômicas que envolveram a colonização. Isto pode ser observado, por exemplo, quando do estudo dos procedimentos de atuação da MARIPÁ no Oeste paranaense, principalmente no que se refere ao contingente populacional selecionado para a tarefa de colonizar; bem como na estrutura fundiária aplicada a este espaço. Além disso, cabe informar que alguns destes empresários participaram de outros projetos de colonização vinculados a diversas empresas colonizadoras. Destaca-se, a título de exemplo, a Colonizadora Pinho e Terras sob controle acionário de Alfredo Paschoal Ruaro, primeiro dirigente da Maripá no Oeste do Paraná. Além deste, outro dirigente da MARIPÁ, e um dos principais da Pinho e Terras, Alberto Dalcanalle, foi presidente de uma outra companhia, a Braviaco (Cia. Brasileira de Aviação e Comércio), que esteve envolvida na disputa pelas terras da Gleba Missões. Portanto, uma questão importante, a ser considerada neste momento era o envolvimento destas empresas com problemas de titulação de terras, que acarretaram uma série de conflitos no Sudoeste do Estado, muitos deles pendentes até hoje. De forma geral, esta ampla experiência, acima delineada, norteará a estruturação interna da MARIPÁ, seu organograma constituído por Diretores, Acionistas, Conselheiros e um Conselho Fiscal. Ademais, a elaboração de estatutos revela que esta empresa atuou de forma previamente planejada, direcionada racionalmente à concretização de seus objetivos. Tais estatutos esmiuçavam todas as atribuições dos diversos setores desta empresa, desde a Administração até o Conselho Fiscal. Quanto aos objetivos da empresa, destaca-se o artigo 2° do referido Estatuto: A sociedade tem os seguintes objetivos: a) aquisição por compra, e exploração das terras, campos e matos da "Fazenda Britânia" com os respectivos prédios, instalações e benfeitorias, situada no Território do Iguassú, pertencente a Companhia de Maderas Del Alto Paraná, com séde35 em Buenos Aires na República Argentina; b) extração, produção, industrialização, beneficiamento, e comércio em geral de madeiras e derivados inclusive a sua exportação para os mercados estrangeiros; c) produção, industrialização e exportação de herva mate; d) compra e venda de terras e colonização em geral; e) replantio em geral; f) agricultura e pecuária em geral; g) comércio em geral; h) a participação em qualquer ramo de indústria e comércio, a qual será resolvida a critério da diretoria e do Conselho Fiscal com a aprovação da Assembléia Geral[3]. A partir da leitura destes objetivos da MARIPÁ, depreende-se que esta pretendia atuar em diferentes ramos de atividades, e que abrangiam desde o beneficiamento de madeiras e exportação de erva-mate até o comércio e trabalhos de colonização, agricultura e pecuária. Objetivos amplos, portanto. Contudo, para desenvolver a empresa segundo estes pretensiosos moldes, impunha-se a necessidade de constituição de um espaço centrado na legitimidade burocrática/empresarial de tal empreendimento. A elaboração e a execução de um conjunto de ideias e de práticas administrativas reflete bem esta preocupação dos dirigentes em gerir política e economicamente o território em processo de ocupação sistemática. Um aspecto de grande importância para compreender a preponderância da MARIPÁ no campo da colonização, refere-se ao momento de sua chegada à fronteira agrícola. Ou seja, a aquisição das terras ao Oeste do Paraná foi efetuada ainda quando estas estavam sob propriedade de um único agente (Companhia de Maderas del Alto Paraná). Dessa forma, a companhia tornou-se plena proprietária de sua área, conseguindo eliminar as disputas legais e os conflitos sociais, muito frequentes na região Sudoeste do Paraná. Esse aspecto quase não aparece na documentação da empresa, salvo nos casos em que os dirigentes buscavam informar possíveis compradores da existência de uma área colonizável diferente do restante do país, onde as estruturas agrárias seriam sempre sinônimas de alto grau de concentração fundiária e de inesgotáveis controvérsias sobre a posse e propriedade da terra. No dizer de Ondy H. Niederauer - contador da MARIPÁ -, a Fazenda Britânia foi sempre uma verdadeira ilha de paz e tranqüilidade[4], por apresentar um título de propriedade definitivo e inconteste das terras. Importante destacar, também, que no processo de consolidação do programa de ocupação, os dirigentes da MARIPÁ estruturaram-se no campo a partir da contratação de pessoal especializado em diversos ramos. Cita-se, como exemplo, uma passagem em que Keith Derald Müller apresenta o corpo de funcionários envolvidos no trabalho de medição das propriedades. Segundo ele, o aparente sucesso de Toledo, uma colônia jovem, pode ser atribuído, em parte, à excelente escolha da forma de ocupação e estrutura, ao bom mapeamento, e à segurança de propriedades dos títulos. Nos primeiros estágios de abertura de terras, a MARIPÁ contratou todas as fases de agrimensura, mapeamento e intitulação. Entretanto, isso se tornou insatisfatório e a MARIPÁ organizou seu próprio serviço de cartografia e concessões de títulos, contratando somente os serviços de agrimensura. Os projetistas da MARIPÁ, empregando o método de agrimensura planimétrica, usaram pontos de referência estabelecidos astronomicamente, e limites muito superiores aos pontos indefinidos, como as pedras e árvores, que podem ser alterados, removidos ou destruídos, ou rios como é feito pelos posseiros[5]. Destaca-se, neste trecho, a formação de um quadro de especialistas no ramo de medição das propriedades. No entanto, a contratação de profissionais não se restringia somente a esta atividade, assiste-se ao recrutamento de agrônomos, contabilistas, engenheiros, entre outros profissionais, que garantiam à MARIPÁ, além de um serviço técnico de qualidade, a disseminação de saberes reconhecidos e que, portanto, legitimavam as práticas administrativas por eles desempenhadas. Desse modo, os dirigentes da MARIPÁ procuravam dar credibilidade à sua administração, buscando em profissionais autorizados o reconhecimento de seu empreendimento. Forma de legitimação pela ciência e pela técnica, isto é, pela racionalidade. Tal aspecto transparece, principalmente, nas falas que pretenderam caracterizá-lo como exemplar, tendo em vista a racionalidade e a competência com que foi implementado. [1] Esta empresa foi fundada em 1906 em Buenos Aires, pretendendo explorar as riquezas naturais - tais como a erva-mate, a madeira, entre outros - da área adquirida junto ao governo da União. Uma série de acontecimentos acabou por limitar a atuação desta e de outras companhias que atuavam no Oeste do Paraná, entre eles pode-se citar a passagem da Coluna Prestes em 1924, a política nacionalista empreendida pelo presidente Getúlio Vargas e os acontecimentos da Segunda Guerra Mundial como sendo os de maior influência para o declínio de sua atuação e a consequente necessidade de dissolução. [2] Importa tecer alguns comentários sobre a filiação partidária deste colonizador. Segundo R. J. Schmidt "já na sua juventude Barth simpatizou com os 'maragatos', facção pertencente às fileiras do Partido Liberal (PL) do Rio Grande do Sul. Na cidade de Toledo, instalou um diretório deste partido, sendo membro integrante do mesmo até 1958, quando ingressou junto ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), sigla através da qual se elegeu prefeito em 14 de dezembro de 1960. Ainda como político teve papel principal na 'articulação' de situações e instituições partidárias da região, através do apoio a candidatos tanto a cargos do poder executivo (prefeitos e vereadores) quanto do poder legislativo (deputados federais)". SCHMIDT, Róbi Jair. Cenas da Constituição de um mito político. Edunioeste, Cascavel, 2001. [3] Industrial Madeireira Colonizadora Rio Paraná. Estatutos. 1946, p. 06-07. [4] NIEDERAUER, Ondy Helio. Toledo no Paraná: a história de um latifúndio improdutivo, sua reforma agrária, sua colonização, seu progresso. Toledo: Grafo-Set, 1992, p.27. [5] MULLER, Keith Derald. "Colonização pioneira no sul do Brasil: o caso de Toledo, Paraná". In: Revista Brasileira de Geografia. Ano I (Jan/Mar). Rio de Janeiro: IBGE, 1986, p. 109. #HistóriadoParaná #HistóriaLocal #HistóriadoOestedoParaná #HistóriadeToledo #HistóriadaMARIPA #HistóriadeMarechalCândidoRondon #HistóriadaColonização

  • Sonhos e Utopias na Modernidade

    Por Prof. Dr. Claudia Monteiro (Unioeste - Campus de Marechal C. Rondon) O sonho da sociedade ideal, imaginada e desejada pela humanidade em diferentes momentos da história, nos trazem elementos para refletirmos sobre os anseios e esperanças de cada época e os seus significados. A própria ausência de utopias em nosso tempo atual e, por outro lado, o grande número de narrativas literárias e fílmicas que narram pesadelos distópicos, podem também nos revelar muito acerca do que somos, o que esperamos e como percebemos o nosso próprio tempo. Não só o que desejamos significa algo, mas também aquilo que tememos... A noção de paraíso artificial, ou mundo perfeito, remonta aos sonhos populares da época medieval e renascentista. Pieter Brueguel, artista holandês do século XVI, em suas pinturas narrou com maestria os elementos da cultura popular de sua época. Em um de seus quadros retratou a Terra da Cocanha, também chamado de país dos preguiçosos,. De acordo com Peter Burke, o País ou a Terra da Cocanha era “Um mundo à avessas onde as casas tinham os telhados cobertos de panquecas, nos riachos corria leite, os porcos assados corriam soltos com facas convenientemente fincadas em suas costas”. A terra da Cocanha era a terra da fartura e abundância de alimento, lá não era necessário trabalhar, as pessoas podiam comer e beber à vontade e toda a preocupação humana era saciar os seus desejos e prazeres. Podemos interpretar esse imaginário popular como uma recusa obstinada das pessoas contra a precariedade da vida daquela época, especialmente o medo da fome e da morte. Foi Thomas More, pensador humanista, quem criou a partir do grego, a palavra utopia, um neologismo que significa “lugar nenhum”. No entanto, More ao utilizar a terminologia grega, flertou com o seu duplo sentido, a letra U da palavra Utopia, pode significar ‘nenhum’, mas também ‘bom’. Esse dualismo está presente nos versos da edição inglesa da obra A Utopia: “Portanto, não Utopia, porém, mais corretamente, meu nome é Eutopia, lugar de felicidade”. A palavra ganha longevidade na modernidade, definindo aquilo que se imagina como perfeito, ideal, porém, imaginário, difícil de ser alcançado: Um “bom lugar” em um “lugar nenhum”. Enfim, resume a ideia de sociedade ideal, organizada em um Estado com instituições também ideais. O livro de Thomas More é uma ficção que narra a vida na ilha Utopia. Lá não há desigualdade social nem propriedade privada, e reinam a justiça e a prosperidade. A Utopia também é um lugar de fartura de alimentos e gozo dos prazeres da vida, no entanto, não se parece em nada com o País da Cocanha da cultura popular: na Utopia todos trabalham e obedecem regras rigidamente colocadas. Tão grande é a distância entre a utopia moderna de More em relação à precedente medieval que, enquanto a Cocanha era a “terra dos preguiçosos”, na Utopia há uma verdadeira obsessão no controle do trabalho e do tempo. Freud percebeu esse paradoxo da civilização: por meio do processo civilizador buscamos combater aquilo que nos causa infelizes, no entanto, quanto mais aumenta a civilização mais infelizes nos tornamos. Na bancada de negócios da modernidade, não há almoço grátis: para obter a reconfortante segurança garantida pela Estado e seus aparatos de violência, é preciso perder outra coisa. Pela segurança sacrificamos nossa liberdade e com ela uma grande quantidade de satisfações que nossos instintos nos levariam a buscar se não houvessem proibições. Por outro lado, sem a coação exercida a partir de cima não estaríamos nós condenados uma vida bestial? O lugar de felicidade, a “Eutopia”, do equilíbrio perfeito entre a segurança e a liberdade é um objetivo inalcançável. Mesmo em uma narrativa ficcional, como a de More sobre sua Ilha Utopia, há escolhas, e sua escolha foi pela segurança, em nome disso, criou uma sociedade racional e controlada pelo Estado, seu horizonte de expectativa anuncia a novidade da modernidade, onde, pelo desejo de segurança e ordem o homem sacrifica sua liberdade e, por tabela, sua felicidade. #utopia #distopia #modernidade #eutopia #brueguel #cocanha #more #sonhos #curtahistória #unioeste #HistóriaUnioeste #ThomasMore #ThomasMorus #Morus #PaisdaCocanha #Utopias Referências Bibliográficas: BURKE, Peter. Cultura popular na Idade Moderna: Europa 1500-1800. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização e outros textos (1930-1936). São Paulo: Companhia das Letras, 2010. MORE, Thomas. A Utopia. São Paulo: Abril Cultural, 1979 (Os Pensadores).

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